Roma é uma obra prima cinematográfica e é o trabalho mais pessoal do Cuarón.

Sem spoilers

Maysa Costa
5 min readJan 3, 2019

P.S: Filme feito exclusivamente para o serviço de streaming da Netflix, não sendo exibido nos cinemas.

O filme se passa nos anos 70 e acompanha um ano da vida de uma família, com o foco na babá e empregada Cléo. Escrito e dirigido, escrito, montado e fotografado por Alfonso Cuarón, é o trabalho mais íntimo e pessoal dele, é muito verdadeiro, repleto de afeto e com uma potência na direção incrível.

Cena do filme “Roma” (2018)

Observa-se o uso de câmera panorâmica estática (plano aberto e sem movimento de câmera), muitos tracking shots horizontais (movimento de câmera como se ela estivesse andando), planos traveling (acompanhando as personagens) e tomadas de giros 360º que ovacionam o cenário do filme. A edição e a mixagem de som são um show a parte, em uma única cena há uma explosão sonora (mesmo sem conter trilha sonora), temos um barulho da vassoura em um canto, o som das ondas do mar em outro, tudo isso de maneira muito imersiva.

A fotografia também é feita pelo Alfonso Cuarón e é em 65 mm, preto e branco, mas de maneira que consegue-se identificar que foi filmado em digital. Toda a riqueza técnica não torna o filme impessoal, pelo contrário, nos momentos mais dramáticos ela eleva a narrativa. Há um plano da protagonista andando pela cidade e acontecimentos desastrosos estão ocorrendo mais a frente, então a câmera faz dois momentos culminarem em um só pelo uso da câmera nos fazendo presenciar uma verdadeira obra de arte.

Cuarón e Yalitza nos bastidores de “Roma”

No elenco temos a Yalitza Aparicio como Cléo, é o seu primeiro filme atuando e ela é incrível, ela nos dá uma atuação introspectiva de uma personagem que sofreu com coisas da vida e se sente subjugada. Já a Marina de Tavira faz a mãe da família e segura uma barra emocional por causa de acontecimentos do filme e o arco dela se encontra com o da Cléo. Sofia tem um grande desenvolvimento ao compararmos a relação dela com a Cléo no início e no final do filme o que faz o espectador ganhar interesse na personagem coadjuvante que vai nos conquistando ao longo do filme.

Esse é o filme mais pessoal de Cuarón, por se tratar da história de Libo (Cléo) que cuidou dele desde toda a vida, então ele traça um paralelo entre as vidas das mulheres que o criaram Sofia, sua mãe e Cléo, sua babá. Como o filme é todo no ponto de vista da Libo (Cléo), ele pegou relatos que ela tinha dos anos setenta, do tempo que ela passou com a família dele e dos sofrimentos que ela teve que enfrentar. A maneira que o diretor fez o filme foi bastante experimental, foi filmado em ordem cronológica dos acontecimentos e é bem pontual ao tratar de diferença de classes e desigualdades de gênero.

Yalitza Aparicio e Marina de Tavira em “Roma” (2018)

A história não tem grandes reviravoltas e é basicamente sobre uma mulher desamparada, com o diretor focando em várias trivialidades na vida (pai estacionando o carro na garagem, Cléo limpando o chão, fazendo café da manhã). Se você não se impressiona com questões técnicas, fotografia no cinema, planos sequência ou não se encanta com as banalidades da vida e ares contemplativos representado no cinema, preferindo roteiros mais objetivos, esse filme não é para você.

Roma é um filme sobre uma realidade forte, onde dá pra sentir o peso dele por acontecimentos cotidianos e nos faz refletir sobre desigualdade de gênero, diferença entre classes e relações familiares.

Comentário com alguns spoilers:

Cena do filme “Roma” (2018)

Roma me fez refletir a respeito do quanto o peso de ser mulher é grande, independente da classe social e raça (claro que cada uma tem suas proporções de peso). Sofia de classe média, sofre ao ter que lidar com o abandono do marido com a amante e segura a barra de criar 4 filhos sozinha junto com a mãe. Cléo que é pobre, sofre ao descobrir que está grávida e, ao contar ao companheiro, vê-lo se recusar a assumir o filho e a abandonar também. Unidas ao decorrer do filme por passarem por questões semelhantes Cléo e Sofia se apoiam cada qual ao seu modo para lidar com as questões sociais pois, nas palavras de Sofia: “Digam o que nos disserem, nós, mulheres, estamos sempre sozinhas”.

Cena do filme “Roma” (2018)

Vemos Cléo passar de uma simples empregada, como é deixado claro no primeiro ato do filme, destacando a diferença de poder entre ela e Sofia, para uma pessoa que faz parte da família. Cléo sempre foi querida pela família, mas não faz parte dela e sabe seu lugar na relação chefe-empregada. Esse distanciamento não só social, mas também de relação de trabalho é destrinchado quando Cléo e Sofia se encontram na mesma situação e encontram empatia uma na outra e passam a se apoiar.

Outra cena que mostra o quanto peso das mulheres é grande e começa desde cedo é em um momento em que a família está jantando e na hora da sobremesa, todos os meninos podem repetir a sobremesa, mas Sofia não permite que sua filha o faça, pois “ficará gorda rápido”, apesar dos protestos da menina e ela declarar que não liga, a mãe afirma que um dia ela agradecerá. Ironicamente, os homens, principalmente adultos são mostrados de forma boba, agindo como idiotas e infantis (mesmo não tendo mais idade para isso), apesar dessa representação eles são extremamente crueis com Sofie e Cléo, mostrando que independente de suas ações, os homens ficam em posições mais favorecidas que as mulheres.

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Maysa Costa

Amante de filmes, desenhos, livros, séries, HQ’s e cultura pop em geral