Infiltrados na Klan consegue fazer rir e dar um soco no estômago simultaneamente.

Sem spoilers

Maysa Costa
5 min readJan 9, 2019
Cena do filme “Infiltrados na Klan” (2018)

Infiltrados na Klan conta a história real de dois detetives que participam de uma operação na qual se infiltraram na Klu Klux Klan para boicotar os crimes de ódio dessa organização. Dirigido por Spike Lee, observa-se um equilíbrio entre as camadas dos personagens sem perder o foco, além de um trabalho bem feito com humor de situação, que é tão sarcástico que chega a ser seco em um tema tão pesado e atual, de maneira que consegue fazer rir e dá um soco no estômago simultaneamente. Lee sabe até onde trabalhar as ironias dos momentos que os personagens se encontram — como se não fosse ironia suficiente um negro e um judeu infiltrados na Klu Klux Klan.

John David Washington e Topher Grace como Ron Stallworth e David Duke

O filme tem uma excelente montagem e alterna momentos mais lentos, nas quais as cenas se esticam, e momentos energéticos, onde há mais cortes de câmera. Com destaque para a cena do discurso do primeiro ministro do partido político dos panteras negras exaltando a beleza negra que possui cortes alternados entre o locutor e seus ouvintes (enquanto ele exalta características negras a câmera corta para as pessoas de fenótipos negros diversos que estão na plateia).

Ron Stallwort (o real) e John David Washington que interpretou o Ron em “Infiltrados na Klan” (2018)

Na fotografia temos tons de marrom e contrastes de vermelho se destacando de maneira envelhecida, evocando um clima setentista e fazendo referências a filmes blacksploitation. Há inúmeras outras referências do blacksploitation dos anos 70 como cartazes de filmes da época, a trilha sonora soul, o figurino e a divisão de tela ao conversar no telefone(muito popular nesses filmes).

Adam Driver e Paul W. Hauser

O uso de planos subjetivos enquadrando o protagonista faz parecer que ele precisa sempre se provar para as pessoas, não só no ambiente de trabalho, mas também para os militantes contra opressão negra. Percebe-se também planos que deixam os supremacistas mais “grandiosos” de maneira ameaçadora, provando que mesmo que o filme retrate nazistas como completos idiotas, ele nunca deixa você esquecer do perigo que há deles terem representantes na esfera militar e política.

Há algumas facilitações narrativas que podem parecer problemática, mas que funcionaram para mim em algumas situações, pois foi como uma lavagem de alma. É tamanha ironia de certos momentos que para mim se mostrou lógico diante do filme que foi todo sarcástico e irônico, por isso algumas convenções de roteiro não me incomodaram tanto.

Adam Driver como Flip Zimmerman

Da parte dos supremacistas raciais há atuações unidimensionais, o roteiro não se importa em desenvolver os supremacistas, mas trabalha com diferentes arquétipos de pessoas racistas. Paul Walter Hauser faz um retardado que apenas segue amigos e não tem um pensamento próprio; Jasper Pääkköne (sobrenome impronunciável) é caricato e não tem vergonha de mostrar que é racista, apesar de ser um tanto vilanesco para meu gosto, ele nos dá a sensação de perigo real por causa da falta de lucidez de seu personagem; Topher Grace faz o líder da organização KKK e é eficaz ao representar um monstro de aparência mansa; Ryan Eggold faz um cara aparentemente sensato que é doce e pacífico, mas carrega tanto preconceito quanto os outros só que por ser mais articulado e educado, seu preconceito é mais sutil.

John David Washintgton e Laura Harrier como Ron e Patrice

Já parte dos detetives e militantes temos: Adam Driver que nos dá um personagem com uma frieza descomunal que possui muito controle nas situações que ele passa, mesmo estando incomodado com elas, e ainda transmite com o olhar toda essa revolta de ser constantemente questionado sobre sua linhagem judia; Laura Harrier que faz uma das integrantes do partido pantera negra, mas não transmite a intensidade necessária que a personagem dela pede para a situação; e John David Washington, apresentando um grande desenvolvimento de personagem que saí de uma pessoa seca e alheia a causas sociais para uma pessoa completamente engajada e debochada. Ele é muito bom ao internalizar a raiva do personagem e transformar em uma arma.

Adam Driver (Flip) e Jasper Pääkköne (Felix) conversando com o diretor Spike Lee

O racismo abordado em “Infiltrados na Klan” não é um racismo sutil, é o tipo de racismo orgulhoso, o que move organizações supremacistas brancas, antissemitas e xenofóbicas. O diretor obtém sucesso ao criar um elo histórico entre esse racismo escancarado dos anos 70 e o racismo mais sutil de atualmente. Ele deixa claríssimo que o neonazismo existe até hoje e tem ganhado cada vez mais força, conseguindo assim, realizar um filme crítico e sarcástico, mostrando que dá pra fazer piada com racismo, sem que a piada seja racista. Spike Lee faz com que ideias tão antagônicas coexistam, pois percebe o momento certo para deixar a comédia fluir e o momento certo de cortá-la.

Ryan Eggold como Walter

Com um humor ácido, o filme alfineta ambos os lados, tanto a idiotice das ideologias supremacistas de raça quanto os militantes contra opressão que muitas vezes se dividem por motivos banais, mesmo estando do mesmo lado da luta (um menosprezando como o outro luta contra o racismo). Unindo uma história tão absurda que nem parece ser real com um clima setentista, bom humor e criatividade, “Infiltrados na Klan” nos dá uma realidade não tão antiga e consegue ser enervante e preocupante.

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Maysa Costa

Amante de filmes, desenhos, livros, séries, HQ’s e cultura pop em geral