Homem aranha no aranhaverso traz inovação para as animações.

Maysa Costa
6 min readJul 3, 2019

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Sem spoilers

O filme narra a história de Miles Molares, um adolescente tentando se encontrar e se enturmar em uma nova escola, além disso, ele precisa lidar com as expectativas do pai sobre ele e vê no tio um âncora para seus conflitos. Um dia ele é picado por uma aranha radioativa e se torna o novo homem aranha, no processo ele se depara com uma máquina que funde universos paralelos com diversas versões do herói que precisam de ajuda para voltar para seus respectivos mundos.

Cena do filme “Homem aranha no aranhaverso” (2018)

Os diretores (Peter Ramsey, Bob Perschetti e Rodney Rothman) utilizam uma câmera operante em vários ângulos e optaram por um uso reduzido de fps (abaixo de 24 fps-frame por segundo), o que dá um ar mais lento para os movimentos. Apesar dessa escolha não convencional de fps, os diretores, que têm um controle perfeito de ritmo e tom, comandam o filme com sequências de ação cheias de impulso e energia sem perder a leveza visual. Com uma linguagem moderna e frenética, eles não só inovam no estilo de animação que evoca os quadrinhos, como também prestigiam outros estilos: noir, anime e cartoon.

A animação é fluída, estilosa, e com inserções visuais como: micro congelamentos, telas divididas, onomatopeias e cenas onde o plano atrás fica levemente borrado, dando um ar de psicodelia no filme , proporcionando uma estética linda e belas cenas de ação, sem sobrecarregar o espectador. Lembrando que o processo de animação é mais trabalhoso (escreve, edita e filma) diferentemente do processo normal de filmes (escreve, filma e edita), a edição faz com que cada frame por segundo funcione como arte, tornando o filme visualmente bonito.

Cena do filme “Homem aranha no aranhaverso” (2018)

A fotografia conta com cores vibrantes e os pops visuais engrandecem a narrativa. Um grande exemplo disso são os pensamentos do Miles aparecendo que traz uma plasticidade a cena, transportando a mídia de quadrinhos para uma plataforma audiovisual, isto é, fazer ele ganhar vida como se fosse uma pintura. Além disso, a história respeita o material fonte sem exigir que o espectador tenha lido as hqs, mas mesmo assim não descaracteriza os personagens que aparecem, pois são muito fiéis dos quadrinhos.

O roteiro acerta em ter consciência do grande legado do homem aranha nos últimos 20 anos e aproveita essa carga para abusar de metalinguagens, autorreferências e auto deboche, como por exemplo, a brincadeira com a história de origem do personagem, na qual a narração ciente da falta de originalidade diverte os espectadores. A narrativa é sagaz, sabe transitar entre ação, comédia e drama de maneira orgânica, mantendo diálogos engraçados. Apesar de toda trama acontecer em torno do caos, a história não deixa pontas soltas e faz com que essa “pressa” seja intercalada com o desenvolvimento do personagem que possui uma jornada de superação diferente do que estamos acostumados, é uma boa quebra que a Sony faz em relação a fórmula da Marvel.

Da dir. para esq. : Spider Gwen, Peni Parker, Miles Morales, Peter Parker, Spider Noir e Spider Ham

Essa jornada traz representatividade tanto em referências étnicas quanto musicais, a trilha sonora, por exemplo, têm escolhas musicais que complementam as cenas e não aquelas músicas que verbalizam o que a cena já mostra. Ela conta com Nicki Minaj, Post Malone, Lil Wayne e outros rappers conhecidos, dando um tom urbano ao filme e combinando com a personalidade do protagonista.

Miles é um adolescente comum, com inseguranças e outros problemas referentes a adolescência, achando que não consegue alcançar suas aspirações. Tudo piora quando ele se encontra com outros “spiders” que já são velhos de carreira e se sente perdido em não entender “o que é ser o homem-aranha”, mas a história nos mostra que qualquer um pode ser o cabeça de teia, pois ele é muito mais que uma pessoa numa fantasia, ele é um símbolo de esperança. A narrativa humaniza ainda mais os personagens traçando um paralelo entre o Miles e o Peter, que mesmo sendo heróis, continuam tendo problemas pessoais palpáveis. Já os demais personagens tem menos desenvolvimento, mas não passam em branco, eles tem pelo menos um momento marcante no filme.

Cena do filme “Homem aranha no aranhaverso” (2018)

Mesmo sendo versões diferentes do aranha, todos compartilham um trauma e a essência do homem aranha de enxergar o mundo de fora para dentro. Nicolas Cage dá a voz ao aranha noir e nos proporciona uma das cenas mais engraçadas do filme (uma dica: cubo mágico), não acredito que outra pessoa faria um melhor trabalho nesse personagem que ele; Hailee Steinfeld faz a Spider-Gwen e nos deixa querendo mais dela nas telas, ela é uma badass e você acredita que ela sabe o que está fazendo; Kimiko Glenn faz a Peni Parker que mesmo com poucas cenas, vende muito bem a relação de afeto que ela tem com o robô; John Mulaney está engraçadíssimo como o Spider-Ham, ele traz todo o ar dos looney tunes para o filme e brinca com o lado lúdico dos cartoons; Jake Johnson faz um Peter Parker mais velho, cínico e cansado pelos tantos anos de atuação, mas ainda caridoso e querendo ajudar os outros. Por fim Shameik Moore, que passa tanto a dramaticidade da relação que o Miles tem com o pai, quanto a negação que ele tem com os poderes, que perante ao caos dos acontecimentos, faz com que haja uma pressão em torno do Miles para que ele amadureça mais rapidamente.

Vale também destacar os trabalhos de Mahershala Ali (tio do Miles) e do Brian Tyree Henry (pai do Miles) fazem personagens imprescindíveis para o desenvolvimento do protagonista. Como, há um maior desenvolvimento do protagonista, cria-se um grande vínculo com ele e o telespectador passa a tanto importar com a família dele, quanto sentir as dinâmicas das relações que ele tem com cada um. O fato do Miles ter uma sensação de rejeição do pai, por não atender expectativas criadas por ele ou o fato dele ver no tio uma figura paterna, potencializa os acontecimentos do filme para quem está assistindo-o.

Cena do filme “Homem aranha no aranhaverso” (2018)

Está muito claro que Peter Ramsey, Bob Perschetti e Rodney Rothman fizeram algo que nunca foi feito na história das animações. O ritmo desacelerado de fps, as inovações narrativas, as piadas pontuais intercalando com um pop visual da animação, tudo isso, servirá de inspirações para futuras animações.

A história cativa principalmente pelo misto de humor inteligente e agradável com o humor família meio bobalhão. É inegável que a animação resgata a essência do homem aranha, as dificuldades que se tem ao ser um adolescente com super poderes e ela ainda vai além, evocando o universo vasto do personagem com muitos easter eggs e traçando um paralelo da relação do Stan Lee com o cabeça de teia que rende uma homenagem muito bonita nas telonas. O filme apresenta toda uma mitologia sem precisar se aprofundar muito nela, evitando assim a complexidade de explicação dos multiuniversos. As cenas pós créditos é muito genial e inteligente, mas é preciso de um certo conhecimento do universo do homem aranha.

“Homem aranha no aranhaverso” é um filme sobre um garoto que precisa se aceitar e se entender, onde mistura a linguagem cinematográfica com a dos quadrinhos e, assim como “Toy Story” foi um marco para a história das animações abrindo alas para a animação 3D , “Homem aranha no aranhaverso” elevou a tecnologia da animação para outro patamar, sendo outro marco histórico e abrindo portas para novos estilos de animar em grandes produções.

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Maysa Costa

Amante de filmes, desenhos, livros, séries, HQ’s e cultura pop em geral