Com “Nós”, Jordan Peele mostra que seu brilhantismo não está restrito apenas a “Corra”.

Sem spoilers

Maysa Costa
4 min readAug 17, 2019

Uma família com quatro integrantes está passando férias em uma casa de praia, quando passa a ser aterrorizada por versões malignas deles mesmos. Com roteiro e a direção do Jordan Peele que fez o incrível “Corra”, “Nós”, mistura subgêneros do terror de maneira eficiente e orgânica. O filme pode lhe parecer que “você já viu isso em algum lugar”, mas Peele trabalha de maneira criativa a subversão de expectativas, o telespectador pode acreditar que sabe para onde o filme vai, mas muito provavelmente estará enganado.

Cartaz do filme “Nós” (2019)

O primeiro ato é bem típico de filme de terror, introdução dos personagens viajando nas férias. É bastante importante para entendermos a dinâmica familiar daquelas pessoas, mostra o íntimo e as personalidades de cada um fica bem definida. O segundo ato nos fisga ao maior estilo de “invasão domiciliar” com “ doppelgänger”, mas a sensação de familiaridade com cada um desses gêneros se esvai quando ele desconstrói suas expectativas fazendo algo totalmente diferente do que você espera. O ato final é extraordinário, a maneira como o diretor usa a música e a movimentação dos personagens no presente intercalada com eles no passado por meio de flashbacks, mostra o quão cuidadosa é a montagem, nos proporcionando um verdadeiro espetáculo artístico. No entanto, é válido ressaltar que para aqueles que não dão abertura demais para “suspensão da descrença”, a falta de certas explicações sobre coisas específicas no filme, passa uma sensação da obra não ser tão coesa.

Cena do filme “Nós” (2019)

Peele, nas suas escolhas artísticas excêntricas, procura sempre comunicar algo ao espectador e ele dá um show no uso da câmera de maneira criativa, planos aéreos e giratórios que aumentam a tensão, no entanto, utilizados de maneira não clichê do que geralmente se espera, quero dizer, planos giratórios ao redor do personagem são muito usados unido a jumpscares, mas não é o caso desse filme, ele extrai tensões de coisas naturais, como um passeio no parque ou caminhada na praia e faz isso sem utilizar de pistas falsas para enganar o telespectador.

Lupita Nyong’o, Evan Alex e Shahadi Wright Joseph.

Dentre as atuações a que mais chama atenção é o da Lupita Nyongo, dona do filme, com sua interpretação nervosa e protetora de uma mãe, ela confere camadas a personagem que se vê em situação de estresse extremo para proteger sua família. Lupita passeia por várias emoções sem deixar a peteca cair um minuto, provando que só faltava oportunidade a ela para estrelar um filme. Wiston Duke dá um ar de “paizão”, bem família normal que, apesar de ser o maior dentre os membros e passar uma imagem de “protetor da família”, não faz muita coisa e é o que mais apanha, subvertendo assim os esteriótipos do gênero. Diferente do que se vê em filmes de terror, as crianças são muito úteis, Shahadi Wright Joseph é muito expressiva e sua versão maligna detém um sorriso aterrorizante; já Evan Alex não consegue exprimir tanto o pânico quanto a garota consegue, mas seu olhar penetrante da sua versão maligna ajuda o desenvolvimento do personagem fluir.

Lupita Nyong’o e Wiston Duke

A violência do filme é gradativa, o diretor espera que os olhos do telespectador se acostume aos poucos com a violência e , assim, a aumenta a cada cena. Há um uso de humor que fica meio desconexo quando quebra a tensão da cena, o humor que mais funciona são as músicas escolhidas para trilha sonora que conferem uma graça não verbalizada e sádica.

Nós é um filme intrigante, metafórico, que quebra expectativas e ainda te leva a uma reflexão sobre privilégios e preconceitos diante do desconhecido.

Uma última coisa, eu acho que duas frases se encaixam bem no filme e vale a reflexão a respeito: “Quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é se tornar opressor” e “O homem não nasce mau, a sociedade o corrompe”.

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Maysa Costa

Amante de filmes, desenhos, livros, séries, HQ’s e cultura pop em geral