5 filmes que as pessoas entenderam tudo errado.

Algumas pessoas pegam o filme e distorcem toda a ideia dele ou fazem tudo ao contrário do que o filme prega. Aparentemente, em tempos difíceis, filmes muito explicados são a solução.

Maysa Costa
10 min readMar 13, 2020

Lembrando que esse texto poderá ter spoilers

  1. Clube da Luta
Cena do filme “Clube da Luta” (1999)

“Clube da luta” é um dos filmes mais populares do David Fincher e tem como o narrador um cara de classe média (Edward Norton), bem estruturado e estável financeiramente que anda estressado e com insônia e procura ajuda em grupos de apoio, ao longo do filme há um problema com o apartamento dele e ele pede ajuda a um “amigo” , Tyler (Brad Pitt) ,que o abriga em sua casa. Depois de se envolver em brigas de bar e ver que há mais homens que procuram uma válvula de escape o cara e seu novo amigo fundam um clube de luta.

A primeira coisa a se pontuar do porquê as pessoas levaram para um lado errado o filme é que vários clubes de luta foram fundados em Nova Iorque em 99, muita gente se apegou ao lado violento do longa, sendo que as lutas são um escapismo para os integrantes do clube que querem se livrar dos fardos de sua vida monetarista e excludente. Você pode observar no filme que o narrador discute constantemente com o Tyler sobre o consumismo desenfreado que acomete a sociedade:

“Trabalhamos em empregos que odiamos para comprar porcarias de que não precisamos.”

O personagem principal entra em um surto psicológico principalmente porque ele acredita estar em uma vida de fingimento, então ele passa a desapegar-se de todos os seus bens materiais começando com o incêndio em seu apartamento. Tanto é que o Tyler começa a aparecer frequentemente, após esse incêndio.

“Por que será que vivemos trabalhando para produzir o que não consumimos e, em troca disso, consumimos o que não nos é útil e temos o que não utilizamos, e, por fim, nunca estamos satisfeitos?”

Quando descobrimos que Tyler e o narrador são a mesma pessoa, percebemos (ou pelo menos o roteirista gostaria que a gente percebesse) que o narrador criou o Tyler em sua cabeça para ser o oposto da vida que ele vivia, uma dualidade que representa toda sua aversão pelos valores sociais capitalistas. Triste é ver que ignoraram a crítica ao capitalismo em sua forma mais selvagem para resumir em “vamos se bater igual ao filme”.

2. Tropa de Elite

Cena do filme “Tropa de Elite” (2007)

Aqui temos o curioso caso de “Tropa de elite” na qual um personagem se tornou algo muito maior que o próprio filme, todo mundo que pensa em “Tropa de elite” pensa no capitão nascimento (Wagner Moura). Para entender como funciona o BOPE o filme nos leva as perspectivas do capitão nascimento, que está há muito tempo no cargo, e dos aspirantes André Matias (André Ramiro) e Neto Gouveia (Caio Junqueira), que acabaram de chegar na equipe.

O batalhão inicialmente nos passa a imagem de lugar incorruptível e isso é ainda mais reforçado enquanto o personagem do Wagner Moura está sendo desenvolvido, entretanto ele possui meios pouco ortodoxos para obter informações, tortura por exemplo, além disso também há cenas de execução sumária por parte de pessoas do batalhão. Apesar do filme retratar barbáries, tanto do lado dos traficantes quanto do lado do batalhão, o público tomou um dos lados como certo e aí que começou os problemas.

Como um filme que obteve um ótimo rendimento nas bilheterias brasileiras como um filme nacional, “Tropa de elite” causou burburinho ao deixar pessoas que saíram do cinema aclamando o capitão Nascimento pela maneira que ele trata os traficantes, coisa na qual o próprio diretor roteirista José Padilha recriminou, vide um link para a entrevista dele com a revista O Globo:

Dentre os trechos da entrevista vale destacar :

Padilha quer é que as pessoas enxerguem que há alguma coisa errada no sistema, em que oficiais mal pagos “têm de escolher entre se tornar corruptos, negligentes, ou ir à guerra”, como diz o filme.

“Minha esperança é que as pessoas assistam como se fosse no espelho e digam: ‘Pô, temos de mudar essas regras’. Queremos criar um debate”

Tropa de elite fez sucesso mundialmente e ele nos mostrou a maneira que brasileiros querem lidar com a violência do nosso país, com mais violência. A polêmica foi tanta que houve quem chamasse o José Padilha de fascista por “apoiar” as atitudes do BOPE e houve quem saiu em defesa dele, como o crítico Arthur Xexéu declarou:

“Acreditar que José Padilha apoia as práticas do BOPE por ter feito Tropa de Elite faz tanto sentido quanto acusar Francis Ford Coppola de ligações com a máfia por ter dirigido Poderoso chefão”.

Depois de toda essa confusão, Padilha sentiu a necessidade de fazer um “Tropa de elite 2” (além de que o primeiro havia rendido um bom dinheiro) que tratasse mais afundo sobre a corrupção dentro da polícia e recriminasse práticas de tortura e assassinato dentro do batalhão. Com esse último longa, vemos um capitão Nascimento mais maduro e mais arrependido de suas atitudes, dando aí um SUPER toque para quem não tinha sacado que ele não era um herói a se aclamar no primeiro filme.

3. Táxi Driver

Cena do filme “Táxi Driver” (1976)

Sendo o quinto longa do Martin Scorsese, Táxi driver acompanha Travis Bickle (Robert De Niro) um jovem frustado que trabalha como taxista de madrugada nas ruas de Nova Iorque, quando Iris (Jodie Foster),uma prostituta de 12 anos entra no seu táxi para fugir do cafetão, Travis fica obcecado em salvá-la. No meio disso ele conhece Betsy, que trabalha no comitê de eleitorado de um senador que está se candidatando a presidência e se apaixona por ela.

Táxi driver é sobre uma pessoa sem perspectiva em um meio sem perspectiva, ele segue um cidadão comum e como ele é sucumbido a sua loucura principalmente por ser um ser excluído da sociedade. A loucura do Travis vai se agravando a medida que o filme passa até chegar ao seu ápice no final na qual não sabemos se depois do tiroteio as cenas que se sucedem (ele sendo tratado como um herói pela mídia, Betsy voltando a ser sua amiga) são reais ou não. Scorsese nos dá o gostinho da ironia na cena final de “Táxi driver” ao vermos o Travis olhando para trás do táxi, nervoso parecendo notar algo que só ele consegue ver.

Apesar de ter sido aclamado pela crítica e premiações, “Táxi driver” se envolveu em polêmicas primeiro por ter escalado a Jodie Foster com 12 anos, ela passou por acompanhamento psicológico ao longo do filme e foram mostradas todos os efeitos visuais de cenas de violência, para que ela entendesse não era nada real. A segunda polêmica surgiu quando um cara (John Hinckley) atentou contra a vida do presidente dos EUA em 1981 (Ronald Regan) com o mesmo corte moicano que o De Niro usava em uma determinada cena em “Táxi driver”, cena na qual o Travis atenta contra o candidato a presidência no filme. Hinckley não matou o presidente, mas feriu um agente do serviço secreto e o secretário de comunicação.

Só precisou desse gatilho para a mídia cair em cima do Scorsese e do Paul Schrader (roteirista), a defesa de John Hinckley alegou a influência do filme sobre ele e a obsessão que o mesmo tinha sobre a Jodie Foster. Hinckley declarou que fez aquilo para impressionar a atriz, o que fez muita gente achar que a culpa foi do filme de colocar uma jovem como prostituta deixando-a suscetível a diversos assédios. John foi declarado como insano mentalmente e ao invés de ser preso, ficou internado em um hospital psiquiátrico. A confusão foi tanta que o próprio Scorsese considerou em se aposentar depois de tanta propaganda negativa em cima dele, mas que bom que isso não aconteceu.

4. Assassinos por Natureza

Cena do filme “Assassinos por natureza” (1994)

Esse filme definitivamente é um dos maiores bodes expiatórios da história. Ele terminou sendo associado como inspiração do massacre de Columbine (1999) por causa do seu alto teor de violência e porque os garotos que fizeram o massacre chamaram o evento de “manhã santa dos assassinos por natureza”. Antes disso, em 1995, houve um incidente que envolvia um casal de jovens americanos que saíram cometendo crimes e atirando por aí, resultando na morte de um homem e na paraplegia de uma mulher. Esses dois casos foram os que mais pessoas associaram ao filme de Oliver Stone, mas durante boa parte dos anos 90 esse filme foi usado como “causa da violência nos países” tanto é que ele foi banido na Irlanda e seu lançamento no Reino Unido foi atrasado.

Não é dos anos 90 que atos de violência são associados a filmes, jogos ou séries de TV, entretanto escolhi o caso de “Assassinos por natureza” por justamente a mídia da época provar o ponto do filme. Dirigido por Oliver Stone e roteirizado por Quentin Tarantino, o filme acompanha o casal Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis) que saem pelo meio oeste dos EUA em 3 semanas de violência assassinando mais de 40 pessoas. Stone mostra em seu filme não só as barbáries cometidas por parte do casal de serial killers, como também as barbáries cometidas pelos policiais e detetives que encabeçam a investigação. Mas o ápice se encontra no jornalista sensacionalista (Robert Downey Jr) que tenta tirar proveito da situação caótica que a cidade se encontra.

“Assassinos por natureza” é um filme que denuncia o quanto a violência pode ser glorificada pela mídia (ressaltando a cena do filme que o jornalista afirma que se fosse escolher qual serial killer seria, ele escolheria o Mickey). Toda a sensação midiática que o casal recebeu colaborou pela sua popularidade com o público (como exemplo tem-se a cena que fãs carregam cartazes na porta da prisão com os dizeres “Mate-me por favor, Mickey”). A crítica descarada a uma mídia sensacionalista para com crimes hediondos ganha mais força se você observar o contexto da época: o processo a respeito do espancamento de um homem negro (Rodney King) por policiais em 1992, na qual foram absolvidos e ocasionou uma onda de manifestações nos EUA; o julgamento de O.J Simpson por assassinar sua ex esposa e amigo em 1994; a investigação a respeito do ataque que a Patinadora Nancy Kerrigan sofreu pelo namorado da, também patinadora Tonya Harding em 1994. Todos esses casos foram acompanhados de uma mídia evasiva que davam ibope para esses crimes, fazendo reportagens extremamente sensacionalistas.

5. Coringa

Cena do filme “Coringa” (2019)

Dirigido por Todd Phillips, “Joker” narra a história de Arthur Fleck, um homem com problemas psicológicos que tenta sobreviver a Gothan City de 1981. Ao longo do filme vemos Arthur sofrer todo tipo de abuso feito por diversas pessoas, ele apanha de desconhecidos, é humilhado por um apresentador de TV e sua mãe abusava psicologicamente dele durante a infância colocando-o em risco.

O filme de Phillips aborda temas de transtornos psicológicos, importância de programas de saúde para pessoas pobres e ideias rousseaunianas.

“Você não ouve, né? Você apenas faz as mesmas perguntas toda semana. ‘Como está o trabalho?’ ‘Está tendo pensamentos negativos?’ Só o que eu tenho são pensamentos negativos.”

Arthur perde seu tratamento gratuito com a assistente social e o vemos se afundar em uma depressão e loucura durante o filme. O roteiro traz muito a ideia de Rousseau que “O homem nasce bom, o meio que o corrompe”, pois vemos um Arthur inicialmente sonhador, ingênuo e bondoso que vai se esvaindo cada vez mais diante das barbáries que ele passa na vida. Todd afirmou veementemente em entrevistas que a intenção dele não foi deixar o coringa sendo apenas “uma vítima da sociedade”, mas mostrar como nossa sociedade pode contribuir para decadência de pessoas que não conseguem ajuda.

“As pessoas só gritam e berram umas com as outras, ninguém nunca é educado! Ninguém pensa como é estar no lugar do outro cara!”

O filme vai nos mostrando o quanto momentos de empatia colaborariam com a melhora do Arthur que sempre foi um homem desequilibrado. Os moradores de Gotham constantemente batem, tiram sarro ou provocam algum tipo de abuso no protagonista, os políticos da cidade tratam os moradores como um nada, sempre favorecendo os ricos, enquanto que toda a confusão está nas periferias de Gotham. Esse ciclo de falta de empatia eterno só serviu para piorar a depressão e a debilitação mental de Arthur.

“A comédia é subjetiva. Vocês decidem o que é certo e o que é errado, da mesma forma que vocês decidem o que têm graça e o que não têm.”

Toda a confusão se iniciou pois, ao invés de interpretarem como uma crítica em como a sociedade desdenha problemas mentais, muita gente achou uma ode ao anarquismo e a violência. Houveram também comentários que o filme em si estaria “passando pano” para os assassinatos que o protagonista comete. Mas é muito pelo contrário, o filme é justamente um estudo de como o personagem chegou até a loucura.

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Maysa Costa

Amante de filmes, desenhos, livros, séries, HQ’s e cultura pop em geral